Primeiro beijo sem amor

Sábado, 25 de maio de 1996.
"Hoje eu fui em uma festa lá na casa da Carla, foi o meu primeiro beijo.
Quem me beijou foi o Pedro, um rapaz que eu conheci lá, mas eu não gostava dele, por isso não teve graça nenhuma."

Seria maravilhoso se, de alguma forma pudéssemos voltar no tempo e mudar algumas escolhas, não?
Aos doze anos eu era a única das minhas amigas que ainda não tinha beijado. Uma delas, a Taty, já tinha até namorado. Mas eu era uma magricela, desengonçada e estabanada que ainda brincava de amarelinha e queimada aos domingos, com minhas primas. Já lia aqueles romances (horríveis) do tipo "Sabrina" e já sonhava  com um amor impossível.
Não queria que fosse daquele jeito, mas não pude resistir à pressão. Me sentia envergonhada toda vez que a conversa na escola chegava a esse tópico: meninos. Às vezes eu chorava sozinha no meu quarto, quando meu irmão estava dormindo. As mesmas perguntas me apertavam a garganta: Por que nenhum menino me achava bonita, nem gostava de mim a ponto de querer me beijar? Por que eu era feia? Isso seria sempre assim? Até quando eu sofreria sozinha? Eu nunca seria amada?
Minhas amigas quiseram ajudar, combinaram uma festa, onde cada uma delas convidaria um garoto, um possível pretendente. Eu também deveria convidar aquele que eu queria beijar. Mas não tive coragem. Andava caidinha por um colega de trabalho da minha mãe, que tinha o dobro da minha idade, jornalista, loiro alto e de olhos azuis. Parecia um príncipe. Impossível que ele fosse a uma festa convidado por mim, muito menos que me beijasse. Eu era só uma menininha. 
Menti, disse que tinha convidado, mas não falei nada pra ele.
No dia da festa, usei um vestido preto, de saia rodada e decote. Eu nem usava sutiã ainda, não tinha nada para mostrar. Mas aquele era o vestido usado na apresentação de dança moderna. O dia em que eu me senti mais bonita até então. Tinha de ser o vestido preto. 
Cheguei cedo à casa da Carla, e todas elas ajudaram a me arrumar. Um pouco de blush, baton, gloss. Talvez tenha sido a primeira vez que me senti nervosa assim, desse jeito que me sinto até hoje, quando me arrumo para um primeiro encontro. O tempo passou tão rápido e tudo aconteceu absurdamente depressa. Na velocidade da luz, eu diria.
Esperamos algum tempo, o meu (não)convidado chegar. Até que disseram: "Sá, ele não vem, escolhe um dos meninos que 'tão aqui". Olhei em volta. A maioria eu nunca tinha visto na vida, outros eu não beijaria nem que fosse o último garoto da terra. Escolhi então o mais alto, que era loiro e tinha olhos azuis. Pelo menos eu achava que sim, vendo através dos óculos que ele usava. Era gordinho também, mas paciência, era o menos pior de todos. Só queria terminar logo e ir pra casa. 
Então elas falaram com ele e me disseram que devíamos nos encontrar na escada do prédio. Eu não tinha certeza se queria fazer isso, mas agora que já estava ali não ia voltar atrás. Não tinha a menor ideia de como fazer aquilo, tremia mais que uma vara verde e minhas mãos estavam geladas. 
Ele chegou e não disse uma palavra. Pegou minha mão e me beijou. Achei bem estranho, fiquei esperando os sininhos tocarem, mas... Nada. Ele tentou colocar a mão nos meus (inexistentes) peitos, fiquei em dúvida durante uma fração de segundo, mas decidi que já era o bastante. Dei uma desculpa e subi correndo para o apartamento da Carla.
Não entendi o porquê do nó que sentia na garganta e da vontade de chorar. De alguma forma, aquilo tudo me parecia errado. Muito errado. Da janela do terceiro andar, pude ouvi-lo rindo e contando para os outros meninos como foi. Disse que só tinha topado porque minhas amigas explicaram o motivo da festa e que eu o tinha escolhido, ficou com pena. Falou também que eu era feinha.
Não pude mais conter as lágrimas.
Jurei que nunca mais beijaria ninguém. E durante dois anos foi isso que eu fiz. 
Hoje, 15 anos depois, penso na grande besteira que foi tudo aquilo. Vejo o quanto fui boba, jogando fora um momento que poderia ter sido especial, por vergonha e medo de não ser aceita pelas amigas. Por auto-afirmação. Escolhi um motivo completamente idiota para beijar pela primeira vez, enquanto eu poderia ter esperado... Pelo momento, motivo e garoto (se é que ele existe) certo.
Será que se essa escolha tivesse sido diferente, todo o resto também seria? 
Nunca vou saber...


Comentários

  1. Minha linda

    A gente tem essa mania de dar muita importâncias às primeiras vezes. O primeiro beijo, a primeira transa... Nem sei se elas têm tanta importância assim. Mas são assustadoras... como o primeiro dia em uma escola nova. O desconhecido, as expectativas... Na realidade, são apenas o primeiro de muitos outros que virão. E como primeiro, provavelmente não serão bons, porque não temos experiência nenhuma, porque estamos nervosos, porque a cabeça não ajuda.

    Mas tem o outro lado. A pressão. Isso é uma merda, sem dúvida. "Todas já fizeram (beijar, transar), se eu não fizer também vão me achar uma imbecil". Péssimo, né?

    Mas não, não acho que sua vida tivesse sido diferente se as coisas não houvessem acontecido assim. Imagino que ouvir o moço falando essas coisas depois deve ter te magoado muito. Mas talvez os 2 anos de "abstinência" gerados por essa mágoa tenham sido positivos para você, não? Um parar para pensar, e uma consciência maior do que você queria fazer ou não. Coisa que talvez as suas amiguinhas tenham demorado muito mais a ter. :)

    As coisas sempre têm vários lados...

    Beijos!

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  2. Que feliz ter seu comentário aqui, Deb!
    Estou honrada, viu?!

    Sim, concordo contigo, a gente sempre tende a dar muita importância para os "primeiros", desnecessariamente.
    Depois que reli esse registro no meu diário de 96 e escrevi o texto, procurei me lembrar do meu primeiro beijo de amor. E foi uma lembrança doce.
    Percebo que o que aprendi com isso (e ao longo dos anos) é que não tem nada de errado em fazer as coisas do meu jeito e no meu tempo.

    Obrigada por suas palavras queridas.
    Beijo

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  3. Eu acho que não teria sido diferente, pq eu acho que vc é a soma de todas as experiências que você já teve. E não de um único momento, ou uma única experiência.

    PS: Ótima a foto do "Meu Primeiro Amor". O filme marcou minha infância, vi no cinema, e passei 1991 todo apaixonado pela Anna Chlumsky... ahahaha

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  4. Fabiano,

    Pois é, tem isso também, bem lembrado.
    Esse mundo do "e se..." me assombra de vez em quando, mas o fato é que são só conjeturas.
    Obrigada pelo comentário!

    Também tive a infância marcada por esse filme e o assistia milhões de vezes na sessão da tarde... Sempre chorava na hora do "Salgueiro chorão, pare de chorar..." Lembra?! hehe

    Um abraço

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  5. Ei Sa! Sera que as meninas todas sonham com os sininhos tocando? Eu tambem esperava por eles... hahahahah
    Concordo que o que nos constroi sao as somas de experiencias, o amadurecimento, somado a nossa essencia... As mas experiencias servem pra gente dar boas risadas no futuro! :D
    Adorei o post! Isso da uma cena, heim? Ou um curta?
    Bjs

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  6. Pois é, Tassinha, às vezes eu acho que minha vida até aqui daria até um longa... hahaha.
    Fica ligada nos próximos posts e vamos trocando ideias, quem sabe? rs
    Beijão!

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