Velha Infância

Toda vez que ouço a voz da minha avó ao telefone, seu sotaque de mineira do leste (daquelas terras já quase chegando na Bahia) me levam de volta ao passado.
Tempos antigos viram imagens em sépia na minha memória, com cheiro de algodão-doce feito de açúcar roubado da lata grande em cima do armário, arroz-doce com canela e curau.

Minha família sempre foi numerosa. 'vó Ivete e 'vô Aventino tiveram 11 filhos, todos batizados com nomes começados com a letra A. Eu sou a menina de Adalcir, ou só "Dalci" que por meus primos era carinhosamente chamada de "Tia Dal".
Aos domingos, era sagrado o encontro no fim da Rua Mato Grosso, onde até hoje fica a casa da 'vó. Ao chegar, se fôssemos eu, a mãe e meu irmão os primeiros, era certo ir à Rua Sete buscar as primas.
Todas as lembranças são permeadas pelo calor. A cidade, como dizem, é uma sala de espera do inferno. Mas o cantinho final da Rua Mato Grosso naquela época, era meu pedaço de paraíso.

A estória do banquinho

A árvore na calçada sempre esteve lá, desde que me entendo por gente, assim como o banquinho à sua sombra. Hoje ele não existe mais, foi construída em volta da árvore uma espécie de mureta que serve de assento para as crianças desta última geração da nossa família. Mas o banquinho esteve presente em muitas tardes quentes de brincadeiras e traquinagens. 
 Era nele que nos pendurávamos, aos 5 anos, para balançar. Mais tarde, aguentava até 6 ou 7 infantes amontoados, para brincar de "mês" - um jogo tão bobo que não vejo agora qual era a graça e por que ficávamos horas a fio dizendo os meses do ano uns aos outros, a fim de descobrir qual era mês escolhido para dar a vez a quem o adivinhasse. Aos 12 o banquinho sustentou o "caí no poço" que trouxe consigo os primeiros selinhos quando alguém escolhia a salada mista; aos 16 ouviu nossos risinhos e confidências... E pouco depois de eu completar 18, foi testemunha da minha despedida.
Toda vez que me lembro do banquinho, ouço os passos corridos do esconde-esconde e sinto gosto de quebra-queixo, aquele doce que nunca mais comi, depois que o moço que o vendia não mais apareceu pedalando sua bicicleta antiga.
No banquinho eu amarrava retalhos em sacos de estopa, ajudando minha avó a fazer tapetes, ali também me sentei tantas vezes, segurando meu irmão, ainda bebê, no colo...
Em volta dele a criançada se juntava para ouvir um tio contar piadas, todos lambendo picolés, tentando espantar o calor. À sombra da árvore, passamos muitos dias felizes, recebemos visitas dos parentes distantes, abrimos presentes de Natal, ficamos de mal e de bem... Crescemos.
Essa poderia ser eu, se existisse notebook nos anos 90...

E tudo isso, de guardado nos confins do coração, salta de repente como um pop-up à minha frente, no instante em que digo: "Bença, vó" e ouço em resposta: "Deus te abençoe, minha filha".

Comentários

  1. Vc me emocionou com essas lembranças..não pude conter um fio de lágrima escorrendo no canto do olho. Tbém sinto saudades daquele tempo em que vc estava sempre pertinho de nós e nossa familia era tão mais unida. Parabéns pelo texto filha! Bjs!!

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  2. Ah mãezinha, você é uma manteiga derretida que nem eu! hehe
    Obrigada por tudo, sempre!
    Amo vc,
    Beijo

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  3. Ei Sa! Adorei conhecer um pouquinho mais da sua infancia e da sua historia! O seu jeito de escrever 'e tao gostoso que parece que eu estive la em Valadares com voce! :) Um beijo e saudades! ;)

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  4. Tassita,

    Bom demais ter comentários teus aqui, obrigada!!!
    Fico contente por ter gostado, beijão!

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  5. Olha que coincidência gostosa!
    Meu avô é Gov Valadares também! O sobrenome Cobra é dele!
    Essas lembranças de infância são muito boas... É a melhor fase da nossa vida justamente pelo desapego e pela ingenuidade. E só percebemos quando já somos mais velhos.
    Fico feliz por você por ainda ter sua avó viva. Já leu esse texto pra ela?

    Um beijo,
    Caio

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  6. Nossa Caio, que coincidência boa mesmo!!! Ótimo saber que você tem raízes mineiras, hehe.
    Melhor ainda é ter seu comentário e sua presença aqui nos meus diários, me sinto honrada. Obrigada.
    Minha mãe levou esse texto e o "De ironias, agulhas e linhas" impressos e leu pra vó Ivete, ela adorou, ficou felizona!
    Beijão.

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  7. Putz, lembrei de fatos de minha infância. Muito bom ler este seu texto.

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  8. Que bom, donluidi. Obrigada!!!
    Abraço.

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