Devaneios

03 de novembro de 2008

Ela não vê a paisagem, só um prédio grande à sua frente, com várias outras janelas, muitas delas com luz acesa dentro. Olha e divaga sobre quem são aquelas pessoas, quais seriam suas histórias. Desvia o olhar para baixo e vê plantas, uma flor branca. Por que não tem flores em sua janela? Talvez falte paciência.
Num pedido para aumentar o volume da TV, a porta se fecha. Muitas vezes vontades e necessidades diferentes afastam as pessoas.
Os pensamentos perpassam sua mente, um a um. Se misturando, preocupando, preenchendo, conturbando e zunindo como abelhas.
Da janela não se pode passar. Pela porta sim, mas não pela janela. É só uma visão, uma perspectiva.
Ela já não tenta saber os porquês. Está cansada, sente que algo mudou... Mas o quê?
Nada é definitivo. Nem mesmo isso. A moça acha que mais cedo ou mais tarde aquela alegria volta. Ou outra diferente, mas virá.
Se as abelhas parassem, ficaria mais fácil e claro. Mas quando param fica tudo tão vazio e cinza... Então elas voltam. Como se dentro de sua mente tivesse mel ou algo doce. Irônico.
Doce só quando pensa nele, que não existe. Aquele que não precisa de portas, que não tem limites e nem morre. O que a ama mais que à própria existência. Ela sente sua falta. Em pequenos instantes, perde a lucidez e acredita. Vê o crepúsculo pela janela, tão milagroso quanto ele. Ri de si mesma, achando graça na própria loucura. Uma brisa suave balança seus cabelos, mas está um tanto fria demais. Fria como ele. Leva as costas da mão direita à testa, à bochecha e ao pescoço. Sim, está com febre. Não é nenhuma novidade, ela sabe. Será mais um sintoma (agora físico) da insanidade? Provável.
Olha pela janela ainda mais uma vez, procurando o pálido reflexo da lua. É inútil. Tem certeza de que ela está lá, mas não consegue vê-la. O impedimento não é o enorme edifício à sua frente, nem as limitações da janela. É que não se pode ver a lua nova. Ainda assim, ela está lá em algum lugar. Poderia dizer o mesmo dele, agora caindo de vez nos braços da loucura, sem resistência.


Deseja que o menino venha voando até a janela, com o pontinho cintilante ao seu lado. Quer que ele a pegue pela mão e a leve através da noite. Para onde? "Dobrando a segunda estrela à direita, depois segue até o amanhecer", ele diria. Para onde é proibido crescer e se pode voar, pensando em coisas maravilhosas...

De repente se dá conta de que nenhum deles virá, de que precisa lavar a louça que está na pia e que amanhã é dia de pagar o aluguel.
Ela fará o que precisa ser feito.
Para que possa continuar na janela todas as noites, esperarando...


Comentários

  1. Gostei mto deste tbém, ainda que passe sentimentos como a tristeza, angústia e solidão. Parabéns pela construção literária. Já estou esperando pelo próximo texto. Bjs!!

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  2. Parabéns, que texto bonito!
    Você escreve muito bem!
    Beijos

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  3. Obrigada, Gisele!
    Seja muito bem-vinda...
    Beijos

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