De ironias, agulhas e linhas

Porém, como eu ainda era muito moleca, não me importei tanto com aquilo.
Logo depois me lembrei que nunca ia precisar costurar na vida já que eu iria estudar, sair daquele fim-de-mundo e aprender coisas bem
mais importantes.
Então eis que os anos passam e, dito e feito: terminei a escola com ótimas
notas, fiz curso de modelo, dança, informática, secretariado empresarial,
excelência no atendimento ao cliente; aprendi a falar inglês, estudei teatro e
me tornei atriz; me mudei para o Rio de Janeiro, estreei no cinema, publiquei
um conto e consegui um emprego como recepcionista bilíngue numa grande empresa, onde trabalho atualmente. Sim, isso tudo nessa
ordem.
Agora, absurdamente distante do universo de corte e costura, levo minha vida
perseguindo os objetivos e sonhos ainda daquela época. Me recuso
terminantemente a costurar o que quer que seja, optando por desistir da
empreitada ou levar a roupa à uma profissional, caso precise de algum ajuste. Cada
vez que vejo agulhas e linhas, me lembro daquelas tardes frustrantes e do olhar
de reprovação da minha avó, o que me leva a sempre me esquivar delas.
Mas o caso é que tem certas coisas que não passam assim, em brancas nuvens.
Infelizmente. A vida às vezes fica entediada e decide "pregar umas
peças" (com o perdão do trocadilho) nas pessoas pra ver o que acontece e
se divertir um pouco. É claro que eu não sairia impune. Fui a escolhida de
hoje.
Chego às 10h no trabalho e me deparo com um macacão acompanhado de um recorte bordado com a logomarca
da empresa, agulha e linha. Bem à minha espera, em cima da mesa na recepção. Me
lembrei da vovó instantaneamente. Em seguida vem minha chefe,
dizendo que quer que eu costure as
logomarcas em 5 macacões. Minha respiração fica entrecortada. Nenhuma chance de
me recusar, tenho certeza. Digo que não sei costurar, numa tentativa
desesperada de escapar, mas de nada adianta, ela mesma começa a dar os tais
pontos, me ensinando como fazer.
Nessas horas, é incrível a velocidade com que uma pessoa pode se conformar
com sua posição de 'joguete do destino' - parafraseando Romeu -.Um
velho ditado, a mim repetido inúmeras vezes por minha mãe e também por essa
mesma avó, me veio à mente: "O que não tem remédio, remediado está". Respirei
fundo e pus-me a executar a (árdua) tarefa.
Minhas mãos mostraram-se impotentes e incrivelmente desajeitadas, como da
outra vez. Não demorou a vir a primeira
espetada, óbvio. Por um instante desejei cair em sono profundo, como a
Bela Adormecida fez ao furar o dedo numa roca. Ri de mim mesma.
Triste é pensar que se eu me espetasse e caísse em sono profundo como A Bela Adormecida, dormiria pra sempre, porque nenhum príncipe viria para me salvar com o "beijo de amor verdadeiro". rs |
Com muito
custo, a primeira peça ficou pronta e, olhando pra ela, me senti envergonhada,
pensando no que vovó diria. Na segunda, o processo foi ficando menos
complicado, eu já costurava com um método próprio de movimentação.
Depois de vários dedos estocados, costurei o último recorte, me sentindo vaidosa ao dar o
arremate final. A simetria dos pontos ficou perfeita com
um traçado sutil e acabamento discreto. Quando entreguei os macacões, ouvi: "Samyta vai virar costureira!". Sei que não vou,
claro, mas não me chateio com isso. Tenho certeza de que se estivesse aqui, ‘Vó
Ivete ficaria orgulhosa de mim!
Filha, fico cada vez mais orgulhosa de vc, com seus avanços na arte literária. Gostei muiito dessa crônica e do blog em geral.. continue escrevendo e no futuro publicaremos um livro..Parabéns!!!
ResponderExcluirMãezinha, obrigada pelo apoio icondicional, incentivo e corujice de sempre... hehe.
ResponderExcluirAjude a divulgar o blog aí em GV! Beijosss
Amiga, simplesmente lindo. Forma clara e divertida de ler. Adorei. Acho que você vai concorrer com a Thalita Rebouças facim, facim. rs. Parabéns.
ResponderExcluirHehe, valeu, Té!
ResponderExcluirTomara mesmo, a Thalita tá rica! huahuahuahua
Beeju
Adorei Sassá, te amo!
ResponderExcluirThaís (Mangat)
Também amo-te muito, anja!!!
ResponderExcluirSaudade demais...
"Pétals, asas amareladas..."