Epifania Romântica Ainda que Tardia

Foi quando ele virou-se e seguiu a passos largos na direção do edifício do qual havíamos saído a não mais que 10 minutos. Observei atentamente seus movimentos decididos, sem vacilação, direto ao objetivo. Por alguma razão obscura a cena me levou num flash back para 23 anos atrás, para minha cidade natal.
Aos cinco anos de idade eu tinha presenciado tal imagem: um homem muito mais importante andou para longe de mim sem sequer se despedir. Assim, de repente. Sem motivo explicado ou sem qualquer satisfação que seja, só deu meia-volta e foi-se embora para nunca mais voltar.
Minha reação não mudou, embora o tempo tenha me mudado tanto. Estática. Culpa. Interrogação. Intuitivamente tive a certeza de que ele não voltaria. Mesmo meu pai tendo voltado, nunca mais foi como antes. Não, ele jamais voltou a ser meu pai de verdade. Da mesma forma que aquele homem, andando para longe de mim não mais voltaria a ser o príncipe da noite anterior.
Quantas vezes ainda vou ter que reviver essa cena terrível? E por quanto tempo ainda preciso buscar o amor do meu pai?!
Cartas, postais, palavras e telefonemas... Uma busca interminável, cheia de expectativas e decepções.
Caminhando atrás da trilha que ele deixara, a ignorância me corroía o coração e a alma.
Foi algo que eu disse? Foi tudo o que fiz? Teria sido mais digno o "não" ou o "talvez"? O que aconteceu?
De um segundo para o outro o abandono toma o lugar do desejo. Ausência em vez de carinho. A dor substitui o prazer. Por que???
A lacuna se transmuta em desafio: quero saber, entender, esclarecer o inexplicável. Já não importa mais qual dos dois, preciso de uma resposta, um tête-a-tête, alguma esperança... Vingança. Mais do que o ar pra respirar. Vira obsessão, fixação, tolice. E de que adianta isso tudo?
Cartas sem resposta, aniversários sem presentes, sem abraços, sem mensagens... Recusada pelo destinatário, descartada. Paternidade negada. Só.
Foi preciso provar que sou dele, de carne e sangue. Tipo A positivo. Sim, sou dele, lhe pertenço, mas não de coração.
Então todos os outros me re-negam, tal e qual. Mas depois me querem de volta, se arrependem, pedem perdão. Toda a vida repetida, mesma história, mesmos nãos. Me querer de volta quando já cresci adianta de nada, só lhes alivia a consciência, pensam não ter sido tudo em vão.
E o buraco, como fica?! E o vazio, a rejeição???
"Não era pra ser", "não era ele", "quando você menos esperar aparece" - é o que dizem. Pouco me importa porque não espero menos nunca. Mas talvez sempre, por pensar que não mereço espero o pouco que nunca vem.
Não no 26 de janeiro, nem no Natal. Não no resultado do teste. Não no dia seguinte. Não na chamada de telefone. Não no pedido... Quanto mais me lembro dos nãos menos sim ouço. Menos beleza e poder eu vejo, menos luz.
Foi quando ele virou-se que outra vez me vi sozinha. Foi naquele momento que eu soube que dali em diante nada seria como a paixão e o desejo da noite anterior. Que não dançaríamos juntos, nem eu conheceria seu pai, que não me aqueceria nas noites de inverno e que eu não faria parte da sua vida.
Foi bem ali, quando ele virou-se que desisti da esperança enganosa, senti um arrepio de tristeza pelo corpo e um gosto azedo veio á língua... Essa mesma que horas antes se entrelaçava na dele, urgente, respondendo com loucura ao beijo arrebatador que compartilhávamos.
Foi exatamente quando ele virou-se que do sonho voltei à realidade tantas vezes, com mais força e me sentindo ainda mais instigada.
Porque quando ele virou-se, toda vez eu acreditei que poderia fazê-lo voltar.
Agora me pergunto: ele precisa se virar?


Comentários

  1. Nuuuu, é minha história.
    Só que o seu pai ainda ficou até os seus 5 anos.
    Mesma sensação. Triste, quase insuportável.
    Nos marca muito. Difícil não comparar os homens que passaram pela minha vida sem ter comparado com um estereótipo de um pai.
    Parabéns pelo texto.
    Stéfani Rossi.

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    1. Pois é, miga. Histórias de vida parecidas, neh?! hehe
      Que bom que gostou.
      Saudades de vc, sempre.
      Brigada por sempre passar por aqui.
      Beijo grande

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  2. Não tem Curtir MIL VEZES AQUI?? LINDO, Lindo...Me emocionei!

    Só tenho um breve comentário, nós temos que viver o presente e estar nele intensamente, foi-se o passado, azar é o do futuro. Essa angustia do querer só faz mal. '' Ame o que tem e não o que quer ter'' dizia um sábio budista.
    Tudo na vida tem uma justificativa e nada é por acaso, volto ao clichê,é a relidade. Bola pra frenteee que essa personagem do post, ela é romântica, mas não é frágil!

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    1. Fico lisonjeada de ter te emocionado, guria!
      Tudo que tu disse aí no comentário é super verdade!!!
      Parafraseando o Dani Chagas "sensibilidade não é fragilidade".
      É isso aí, bola pra frente!
      Beijão

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  3. Super obrigada, Renato!
    Pela visita e pelo elogio. hehe
    ;)
    Bjs

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