Alma de Fênix
De tudo que vivemos, fica uma essência cravada na alma. Ainda que esta seja uma palavra que contém subjetividade bastante para ser interpretada de numerosas maneiras, a alma de cada um há que existir, ao menos no sentido figurado, que emule sensações e sentimentos, no âmago do ser de cada indivíduo. Também pode ser conhecida como a consciência, aquele átimo de luz que anima os corpos - matéria que sem ela perde o caráter de ser vivente.
Pode ter cor, transbordar, ser grande ou pequena, boa ou ruim. Contada em prosa e verso, cantada no erudito e no popular. Carne e unha, alma gêmea. A Alma boa de Setsuan. Epiderme da alma, superfície livre. Moeda de trocas e barganhas, vendida ao diabo, sugada por dementadores, entregue ao amor junto ao corpo. Púrpura, obscura, luminosa, louca, leve… Deixa eu ver sua alma.
Dos tantos meios de se mostrar através da capa física, escolheu os olhos como suas janelas. Dois vitrais transbordantes, delicados e densos, por onde deságuam alegrias e tristezas, com gosto de mar. Buracos de fechadura por onde se vê coisas indizíveis, relances de intenções, pessoas nuas como vieram ao mundo, com almas ainda puras, ou carregadas de passados guardados em caixas de Pandora.
A minha alma está armada e apontada para a cara do sossego. A minha alma, esfacelada tantas vezes, por ser crédula, irresponsável e ingênua. A minha alma que sente tudo tão pungente, que vê o que eu não quero ver lá na frente, desvenda mistérios e se decepciona. Alma penada que se assusta mais que mete medo.Que geme e range dentes na sombra da noite, clama por paz mas não a encontra, foge da sombra, mas não corre depressa o bastante.
A sua alma errante vai vagar por aí. Podre, imunda, torpe, mentirosa. A sua fumaça ocre, que espalha dor e decepção à sua volta, intoxica mais você que os outros. O poço tem mais fundo, continue cavando, sete palmos e você chega lá. Vampiro disfarçado de anjo, lobo em pele de cordeio, demônio de chifres tão bem escondidos que nem mais se lembra deles, e acredita verdadeiramente ser um herói injustiçado. Sua máscara não está tão bem colada, ela caiu e mostrou sua alma nojenta.
Senti asco com gosto de fel regurgitado em minha boca. Por mais que eu me limpe não lava o medo e a raiva, a frustração, tristeza e morbidez das lembranças encrustadas na minha memória. Há dias eu odeio você e estou nauseada, ansiando vomitar esse lodo viscoso para fora da minha alma. Aqui está: oleosa como petróleo, lama tóxica cheia de dejetos, que contamina e esteriliza tudo por onde passa, queima como lava de vulcão e deixa atrás de si um nada… Um vácuo oco de dor e sofrimento. É nisso que você se transformou: um vácuo oco de dor e sofrimento, sem sequer uma luz pálida no fim do túnel.
Estou deixando arder o fogo aqui. Queimando a alma destruída pela sua escrotidão. É como um veneno sendo bombeado a partir do coração por todas as veias, fervente incinerador da ingenuidade, petrificante chama da verdade que percorre meu corpo trêmulo a todo momento. Os dias passam e os estalidos continuam. A fogueira em que minhas ancestrais bruxas foram queimadas está aos meus pés, mas eu não vou morrer. Muito antes pelo contrário. É aqui que começa minha nova vida, purificada pelo calor das labaredas brancas e transformadoras. Quando isso acabar, tudo será fuligem…
O vento de outono vai soprar o pó branco e fino, brisa após brisa, revelando uma nova alma. O gelo do tempo cicatriza a marca do ferrete. Nunca esquecer, porém não mais lembrar. As marcas servem de alerta perene. Sou um lírio que nasce do lodo. Uma fênix que ressurge das cinzas. Evoé.
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Foto: Samyta Nunes. Todos os direitos reservados |
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