Síncope

Não saí atrasada de casa, um milagre.
Cheguei 15 minutos antes no consultório do meu dermatologista e fui atendida direto, sem esperar. Em outros cinco minutos estava com a receita para a conduta de verão, mais o anti-rugas.
Com tempo sobrando, não pude resistir a uma extravagância: entrei num desses cafés charmosinhos de Ipanema e pedi um café-da-manhã completo. Uma vez na vida, posso me dar o luxo. Com direito a capuccino, brioches, croissants, geléia de damasco e o escambau. Comi mais do que deveria e me senti culpada, mas satisfeita.
Passeei tranquilamente pela Visconde de Pirajá, admirando a beleza do dia ensolarado. Fazia tempo que não via o céu azul como o de hoje. Cheguei à estação de metrô justamente quando saía um trem, mas não me aborreci, havia tempo de sobra. Abri o livro de Grotowski, meio desanimada, mas determinada a cruzar algumas páginas. 
Foi então que o ar começou a ficar estranhamente espesso. Olhei em volta, tudo aparentemente normal. Inspirei mais forte e obtive menos ar que o de costume. Fechei o livro, desistindo da leitura. E nada do metrô chegar. Sensação de angústia, agonia. Por que estava demorando tanto?! Senti necessidade de sair dali. Algo muito esquisito estava acontecendo no meu corpo, tremores. Cada vez mais difícil respirar. Uma dúvida incômoda me perpassa: será que alguém está percebendo? Fui ficando desesperada com a demora.
Enfim, tive certeza de que estava passando mal quando pontos pretos começaram a aparecer no meu campo de visão. Instantaneamente me lembrei da última vez que os vi, segundos antes de um desmaio.
Quanto mais escuro eu via, mais pensamentos zuniam em minha mente: "Devia ter vestido uma lingerie melhor, se me levarem para o hospital, vai ser vexatótio"; enjôo, a última coisa que eu queria era vomitar ali na plataforma de embarque; "se eu desmaiasse aqui, agora, alguém olharia por mim, faria alguma coisa? O que acontece se eu cair no chão, inconsciente?" Inspirar... Expirar... Ar grosso e escasso. Ouço os primeios ruídos do atrito nos trilhos, ao longe. Preciso aguentar só mais um pouco... Minhas pernas estão fracas e um pouco bambas. Vamos lá, aguentem pelo menos até estarmos dentro do trem. Portas de correr fechadas à minha frente. Apoio uma das mãos, tento respirar, a garganta encalacrada. Pelas minhas contas só mais alguns segundos até o desmaio. Já não vejo quase nada agora. Será claustrofobia? Síndrome do pânico? Nunca tive. Era só o que faltava.
Nem sei como consegui esperar a porta abrir, mas finalmente entrei no vagão e me sentei antes que perdesse os sentidos. O ar gelado entrou com facilidade e leveza em meus pulmões. Ninguém pareceu perceber nada. Suei frio por três estações, contando ciclos de respiração, até normalizar. Já me sentia bem melhor quando cheguei em Botafogo. Sobrevivi...
Bom dia. 

Comentários

  1. Texto tenso, porém tão bem construído que leva o leitor às sensações do personagem. Adoreiii de novo! Parabéns minha linda escritora! Bjs!!

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  2. Obrigada, mãezinha!
    Quem herda não rouba, né?!?! hahaha
    Beijosss

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  3. Olá Samyta,
    Essa é a minha primeira visita ao blog.Vi seu link em outro blog e resolvi entrar para conhecer aqui! Amei e já tô seguindo. Seu blog é lindo demais e suas postagens são muito bem elaboradas!
    Suas postagem me faz pensar...
    Te convido a visitar e seguir o meu blog também.
    Aguardo sua visita!
    Bjs!
    Mila

    @camilapalm31
    http://dailyofbooks.blogspot.com/

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  4. Oi Mila,

    Seja bem-vinda, fico contente que tenha gostado dos meus escritos e se tornado uma seguidora. Obrigada, viu?!
    Dei uma passadinha no seu Daily of Books, acho muito louvável a proposta de escrever num blog literário. É um desafio e tanto, não?! Tem sempre que ter um livro novo e interessante para falar sobre, ler bastante... Não sei se eu conseguiria! hehe. Parabéns pela iniciativa!
    Te desejo todo o sucesso!!!
    Beijo grande.

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  5. Nossa Samy, que agonia, que apuro! Sofri junto com você aqui. Entretanto o texto me prendeu de uma maneira desesperadora. Parabéns, nem todo texto arranca de nós essas(boas ou más) sensações.

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  6. Obrigada, Gih!
    Sempre bom ter sua visita e comentários por aqui... hehe
    Beijão

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