Melodrama do Desamparo (ou bem-vindo ao mundo dos adultos)

É fácil ser livre. Conseguir um emprego, dividir apartamento, pagar as contas do mês e de bar. Receber a fatura do cartão e decidir se paga tudo ou não, se é melhor parcelar. Pensar no que fazer no fim do mês, economizar e comprar a bota que você tanto quer. Essa autogerência é molezinha, você aprende por instinto e com o tempo, a cada dia que passa aprende uma coisa nova.
O difícil é ficar doente sendo adulto. É complicado reagir e fazer o que é preciso quando seu corpo, debilitado, pede cama. É quase (veja bem, quaaaaase!) impossível decidir se levantar, tomar um banho e ir para o trabalho, com seu termômetro na bolsa, para controlar você mesmo a febre. Impossível saber até onde é só cansaço e a partir de quando é sintoma de uma infecção. Ser mãe de si mesmo e avaliar se você está fazendo manha ou não.
E aí, quando não está mais aguentando a dor, quando está horas e horas sem conseguir comer, você pensa: "Sou um adulto, preciso fazer algo". Então chama um táxi e vai para um pronto atendimento, já chega com o diagnóstico para o médico, que lhe pergunta tudo que vc está sentindo. Mas você não deve falar do enorme desamparo que está instalado em você, Não diga que quer a sua mãe e que está com vontade de se aninhar no colo dela e chorar. Não diga que não aguenta mais fazer tudo que está fazendo. Não diga que quer desistir...
Apenas fale dos sintomas, só isso. Onde dói e desde quando. Explique que a febre chegou a 38.6, mas você, muito adulto, tomou um antitérmico e ela baixou desde ontem à noite. E quando ele perguntar se você toma uma injeção de benzetacil - o que vai resolver seu problema mais rápido que qualquer antibiótico por via oral -, faça uma cara de desdém, como quem pensa "mas é claro, tô super acostumado com isso". Receba a dor com resignação e não chore na frente da enfermeira. Você é forte, dentes e músculos, peitos e lábios!
Pegue um táxi para voltar pra casa e pague no cartão, já que agora você não tem cabeça para pensar em como vai pagar tanta coisa. Se lembre no meio do caminho de que vai ter que fazer sua própria sopa quando chegar em casa, então desça antes de chegar em casa e vá ao mercado comprar os ingredientes.
É possível que no caminho você se lembre de ter ficado na cama, muitas vezes, enquanto sua mãe lhe trazia comida, media a temperatura e orava na água antes de te dar para beber. E o quanto era bom, ser pequeno e não ter que tomar nenhuma decisão,
Só deixe que as primeiras lágrimas rolem quando bater a porta do apartamentoe não, não se deite na cama, porque do contrário você não vai levantar de lá tão cedo e continuará com fome.
Faça sua própria sopa e enquanto isso espante o desamparo que vai tentar te assombrar mais uma vez. Não se assuste com o som de seu próprio choro e evite pensar em que espécie de mãe/pai você vai ser um dia, se não consegue cuidar de si mesmo sem chorar como uma criança. Esqueça a dor, a da garganta e a da injeção, diga a si mesmo que vai passar já já e acredite nisso.
Ei, não se desespere se perceber que deixou o termômetro no trabalho. Pense que a febre tá baixinha e que vai passar logo logo.
Coma mais do que conseguir, afinal, você precisa se alimentar bem. Durma, se puder, mas não perca o horário de começar o homeoffice. Ah, e é claro, o principal: confie em Deus. Ele não põe fardo pesado em ombros leves.



Comentários

  1. Estou daqui orando por vc,,,vai ficar td bem, filha!Te amoooo!

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