De ironias, agulhas e linhas

Quando eu tinha 11 anos, minha avó decidiu me ensinar a costurar. Achei o máximo! Quis muito aprender, pois fazer alguma coisa juntas seria divertido e eu queria que ela se orgulhasse de mim. Só que foi um fiasco. Não consegui fazer nada; me faltou dom, jeito e paciência. Depois de tentarmos o básico, o ponto cruz e alguns tipos de bordados, vovó nem tentou o crochê... Desistimos. Me senti mal, porque todas as mulheres da família sabiam costurar, na época. Com exceção de minha mãe e, então, eu. "Não tem jeito, você é igualzinha à sua mãe, não serve pra essas coisas."- ela disse. Pude perceber a decepção e desaprovação em seus olhos.
Porém, como eu ainda era muito moleca, não me importei tanto com aquilo. Logo depois me lembrei que nunca ia precisar costurar na vida já que eu iria estudar, sair daquele fim-de-mundo e aprender coisas bem mais importantes.
Então eis que os anos passam e, dito e feito: terminei a escola com ótimas notas, fiz curso de modelo, dança, informática, secretariado empresarial, excelência no atendimento ao cliente; aprendi a falar inglês, estudei teatro e me tornei atriz; me mudei para o Rio de Janeiro, estreei no cinema, publiquei um conto e consegui um emprego como recepcionista bilíngue numa grande empresa, onde trabalho atualmente. Sim, isso tudo nessa ordem.
Agora, absurdamente distante do universo de corte e costura, levo minha vida perseguindo os objetivos e sonhos ainda daquela época. Me recuso terminantemente a costurar o que quer que seja, optando por desistir da empreitada ou levar a roupa à uma profissional, caso precise de algum ajuste. Cada vez que vejo agulhas e linhas, me lembro daquelas tardes frustrantes e do olhar de reprovação da minha avó, o que me leva a sempre me esquivar delas.
Mas o caso é que tem certas coisas que não passam assim, em brancas nuvens. Infelizmente.  A vida às vezes fica entediada e decide "pregar umas peças" (com o perdão do trocadilho) nas pessoas pra ver o que acontece e se divertir um pouco. É claro que eu não sairia impune. Fui a escolhida de hoje.
Chego às 10h no trabalho e me deparo com um macacão acompanhado de um recorte bordado com a logomarca da empresa, agulha e linha. Bem à minha espera, em cima da mesa na recepção. Me lembrei da vovó instantaneamente. Em seguida vem minha chefe, dizendo que quer que eu costure  as logomarcas em 5 macacões. Minha respiração fica entrecortada. Nenhuma chance de me recusar, tenho certeza. Digo que não sei costurar, numa tentativa desesperada de escapar, mas de nada adianta, ela mesma começa a dar os tais pontos, me ensinando como fazer.
Nessas horas, é incrível a velocidade com que uma pessoa pode se conformar com sua posição de 'joguete do destino' - parafraseando Romeu -.Um velho ditado, a mim repetido inúmeras vezes por minha mãe e também por essa mesma avó, me veio à mente: "O que não tem remédio, remediado está". Respirei fundo e pus-me a executar a (árdua) tarefa.
Minhas mãos mostraram-se impotentes e incrivelmente desajeitadas, como da outra vez.  Não demorou a vir a primeira espetada, óbvio. Por um instante desejei cair em sono profundo, como a Bela Adormecida fez ao furar o dedo numa roca. Ri de mim mesma. 

Triste é pensar que se eu me espetasse e caísse em sono profundo como A Bela Adormecida, dormiria pra sempre, porque nenhum príncipe viria para me salvar com o "beijo de amor verdadeiro". rs

  Com muito custo, a primeira peça ficou pronta e, olhando pra ela, me senti envergonhada, pensando no que vovó diria. Na segunda, o processo foi ficando menos complicado, eu já costurava com um método próprio de movimentação.
Depois de vários dedos estocados,  costurei o último recorte, me sentindo vaidosa ao dar o arremate final. A simetria dos pontos ficou perfeita com um traçado sutil e acabamento discreto. Quando entreguei os macacões, ouvi: "Samyta vai virar costureira!". Sei que não vou, claro, mas não me chateio com isso. Tenho certeza de que se estivesse aqui, ‘Vó Ivete ficaria orgulhosa de mim!

Comentários

  1. Filha, fico cada vez mais orgulhosa de vc, com seus avanços na arte literária. Gostei muiito dessa crônica e do blog em geral.. continue escrevendo e no futuro publicaremos um livro..Parabéns!!!

    ResponderExcluir
  2. Mãezinha, obrigada pelo apoio icondicional, incentivo e corujice de sempre... hehe.
    Ajude a divulgar o blog aí em GV! Beijosss

    ResponderExcluir
  3. Amiga, simplesmente lindo. Forma clara e divertida de ler. Adorei. Acho que você vai concorrer com a Thalita Rebouças facim, facim. rs. Parabéns.

    ResponderExcluir
  4. Hehe, valeu, Té!
    Tomara mesmo, a Thalita tá rica! huahuahuahua
    Beeju

    ResponderExcluir
  5. Também amo-te muito, anja!!!
    Saudade demais...
    "Pétals, asas amareladas..."

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Olá,

Comentários são muito bem-vindos!
Passarão pela minha moderação, claro.
Porém, se for comentar como anônimo e espera que eu responda, coloque um nome, ok?!

Beijoss

Postagens mais visitadas